Menu Principal

BLOG

Reavivar a fé política

Dom Bosco, entre tantos legados, nos deixou um sobre a política: ele dizia que sua política era a do Pai Nosso. Essa afirmação pode parecer neutra, mas não o é. A palavra Política vem do grego ‘polis’, ‘cidade’ e visa a organização social da mesma.  Na política do Pai Nosso, para os cristãos, não se trata de instituir um regime teocrata, mas de conceber a cidade segundo a visão de Deus como Pai; fazer a experiência de Deus como Pai é fazer a experiência de ser irmão e irmã de todos. É crer que o pão de cada dia não seja acumulado, mas partilhado e seja para todos. É crer que o mundo é a Pátria da grande família onde Deus deseja reinar como Pai e o amor fraterno é a concretização deste Reino.

Como anda a verdadeira fraternidade no mundo em que vivemos?

Não será este o momento de avaliar a história e nos perguntarmos sobre nossa responsabilidade e profecia diante da situação de nosso país?
O profeta, na visão bíblica, é alguém que lê criticamente o presente porque também ele vive a mesma realidade e procura julgar os acontecimentos à luz da fé para denunciar o mal e anunciar ao povo a possibilidade de um futuro mais humano e mais justo.

Meu desejo, neste artigo, não é o de ser profeta da desgraça, porém a conjuntura mundial parece, muitas vezes, que caminha para o caos e para a barbárie: são regimes políticos totalitários que geram fome, terror, morte, imigração em massa; são guerras, retaliações econômicas, ameaças nucleares. É a centralização das riquezas nas mãos de poucos, a busca desordenada do lucro por meio de uma economia globalizada e centrada na especulação financeira, na produção de armas e não de bens de primeira necessidade para todos, gerando desemprego e oferta para o consumo do supérfluo. Saltam aos olhos as nações dizimadas pela fome, pelas epidemias, pelas guerras. É uma nação contra outra nação. Uma nação procurando devorar outras nações.

O que constatamos em nosso país?

Centralização do poder econômico e dependência do capital internacional. Corrupção nos Poderes que dirigem a Nação. Latifúndio e agronegócio que matam a agricultura familiar, destroem as reservas indígenas, florestas e mananciais e envenenam o mundo com os agrotóxicos. A privatização dos recursos nacionais como a água, os minérios, as reservas petrolíferas, entre outras, sem o conhecimento, consulta e aval da população. Para os pobres, resta o desemprego, a falta de moradia, uma educação precária, sem atrativos, para adolescentes e jovens; os postos de saúde e hospitais públicos sem os recursos para um atendimento humanizante e eficaz.
O tráfico de entorpecentes enriquece a máfia que o controla e envolve a juventude de todas as classes. Cresce a violência, o porte de armas pesadas e a impunidade. Cresce, também, a cada ano, a violência e o extermínio de mulheres e jovens, principalmente pobres e negros nas periferias.
Acentua-se na sociedade o individualismo, a competição, o preconceito, a indiferença, a acomodação; cresce a solidão, a depressão, o analfabetismo virtual, os endividados, drogados, desempregados, idosos sozinhos. Aumenta o número de moradores de rua e os descartados sem teto, sem terra, sem emprego.
A mídia, concessão pública, encobre os desmandos dos Poderes e, como diz o Papa Francisco, ‘cria condições obscuras para condenar pessoas, quando se quer dar um golpe de Estado’. Instrumentaliza o povo transformando-o em massa de manobra criando uma falsa unidade.
Uma grande ala das Igrejas cala-se diante deste cenário e entorpece o povo com uma espiritualidade alienada e descomprometida com a realidade, como se esta situação fosse a vontade dos céus; como se a Palavra de Deus e a pessoa de Jesus fossem mágicas salvadoras de todos os males.
O que a experiência do Povo de Deus e a prática de Jesus de Nazaré têm a nos dizer? Nelas encontramos a mística e a utopia não só para sonhar, mas para construir algo novo.

A Palavra de Deus ilumina a mente para julgar a realidade, aquece o coração e fortalece a vontade para agir no caminho a percorrer. Na Bíblia, não há dicotomia entre fé e vida, fé e política como organização social e concretização do Projeto de Deus. O bem viver foi o objetivo maior deste Projeto que o diferencia das outras nações.

Numa leitura atenta, principalmente, do Livro dos Juízes, percebe-se, nas teias e tramas do seu tecido, os sinais do projeto vivido pelo Povo de Deus nos primeiros tempos da conquista da terra:

Povo de Deus: Um só Deus.
Nações: Vários deuses.

Povo de Deus: Culto descentralizado, nas Tribos.
Nações: Culto centralizado

Povo de Deus: Sacerdote sem terra.
Nações: Sacerdote latifundiário.

Povo de Deus: Culto que narra a
história e a celebra.
Nações: Ritos vazios e desligados
da vida que narram mitos

Povo de Deus: Variedade de lideranças,
e serviços partilhados.
Nações: Liderança única do rei

Povo de Deus: Sociedade igualitária,
sem classes.
Nações: Sociedade hierarquizada.

Povo de Deus: Todos têm direito ao trabalho e
vivem do próprio trabalho.
Nações: Os reis e os grandes vivem da exploração
do trabalho dos pequenos.

Povo de Deus: O poder é compartilhado
e vem de baixo para cima.
Nações: Concentração do poder na mão do rei.

Povo de Deus: Leis que defendiam
a igualdade entre todos.
Nações: Leis que defendiam os
interesses do rei.

Nações: Exército mercenário.
Povo de Deus: Exército popular.

 

Um dia, esse mesmo povo, já escravo na Babilônia (587aC), se perguntou: por que viemos parar aqui?

Porque o Povo e os reis se desviaram do Projeto de Deus.
Porque, um dia, as Tribos de Israel escolheram o projeto da serpente, comeram da árvore do centro do paraíso, usurparam de Deus a centralidade do poder: ‘sereis como deuses (…) A serpente (símbolo dos poderes centralizados e opressores), nos enganou’. (Gn. 3,1-7). Esta serpente crescerá tanto que, no Apocalipse, reaparecerá como um dragão.
O primeiro livro de Samuel (1 Sam 8,1-22) apresenta uma crítica a esta escolha, a monarquia e, conseqüentemente, ao afastamento do Projeto de Deus. Os reis serão culpabilizados por seus desmandos. A Bíblia não encobre a ambiguidade da instituição da realeza que tem por rei o Senhor, embora apresente Davi como o rei por excelência.
O Povo que devia ser ‘luz’ para as nações escolhe ser ‘igual’ às outras nações e, com o tempo, se desvia do Projeto de Deus.
Em meio a tantas humilhações e dominações do Povo de Deus, Jesus de Nazaré vem anunciar que um outro mundo é possível. Vem proclamar um Reino no qual Deus se revela como Pai. Veio dizer que o amor do Pai persiste e que a vitória final será a implantação do Reino de Deus em todos povos e nações do mundo. A lei soberana deste reino é o amor e o bem comum seu objetivo: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10). A vontade de Deus é soberana e Ele proclama: “buscai, acima de tudo, a justiça e o resto vos será dado por acréscimo” (Mt 6,33). Jesus resume na oração do Pai Nosso, quais devem ser os anseios de todos que o aceitam como caminho.

Quando, principalmente, os dirigentes das nações, de grupos, entidades, instituições forem movidos por esses valores e não por outros interesses, vislumbraremos um mundo novo.
Enquanto o Reino de Deus como Pai não chega em sua plenitude é preciso ter sensibilidade para descobri-lo e contemplá-lo lá onde ele acontece, pois ele se apresenta pequenino como um grão de mostarda. São os gestos do ‘Reino de Deus”: Gestos de amor. Amor que se manifesta na acolhida, na partilha, na gratuidade, na solidariedade, na sensibilidade, no perdão. Porém, será necessário ampliar a consciência cidadã, consciência responsável pela construção da história, segundo a vontade de Deus. ‘A história é a gente quem faz’.

Que a experiência do Povo de Deus e as proposta de amor de Jesus de Nazaré nos iluminem nas escolhas que faremos nas próximas eleições e tenhamos o discernimento necessário para uma análise dos projetos dos partidos políticos e dos candidatos com seus interesses pessoais e de classe. É tempo de revisão. O quê apoiaremos?

Somos filhas de um sonhador:

‘Ninguém pode prender um sonho,
Impedir alguém de sonhar.
Ninguém pode cortar a esperança
de um povo sofrido a lutar.
Ninguém pode abafar o grito
do oprimido clamando Deus meu!
Deus que salva e liberta seu povo,
que ergue o caído e alimenta o que é seu

Todo sonho alimenta a história
E a vitória de um povo a chegar.
Vamos juntos que neste caminho
Ninguém sobra ou fica para trás.
Para ver este mundo florido,
Criança sorrindo sem fome ou sem dor,
É preciso cuidar bem da vida,
Que a vida sofrida se eleva em clamor.
Ninguém pode prender um sonho!
Como a luz do sol que nasceu,
Ele brilha inventando caminhos,
E desvela o que a noite escondeu!

Ninguém pode abafar o grito e o clamor
De quem sofre de tanto suor,
Pelo pão, pela paz e a justiça,
E anda a procura de um mundo melhor!
Ninguém pode prender um sonho!
Como a luz do sol que nasceu,
Ele brilha inventando caminhos,
E desvela o que a noite escondeu!
Ninguém pode abafar o grito e o clamor
De quem sofre de tanto suor,
Pelo pão, pela paz e a justiça,
E anda a procura de um mundo melhor!’
(Autor desconhecido)

Confira matéria no link  da Revista em Família

 

Por Ir. Iracema Schoeps

Compartilhe:

Facebook
Twitter
LinkedIn

Posts Relacionados

Para você navegar neste website, usaremos cookies para melhorar e personalizar sua experiência.