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Educação para a Justiça e a Paz com a Força Profética do Sistema Preventivo

Vivemos em um mundo marcado por profundas transformações no campo da tecnologia que desencadearam mudanças significativas nas relações pessoais, políticas, econômicas, culturais e também com o transcendente. A compressão do espaço pelo tempo coloca em voga um imediatismo relacional, cada vez maior, gestando e reproduzindo uma sociedade em “tensão para o agora”. Bermman afirma que vivemos um momento em que “tudo o que é sólido se desmancha no ar” e, por isso, podemos observar a liquidez das relações, dos sonhos e planos para o futuro.
É exatamente esse ponto que toca os jovens. Cronologicamente, a juventude é a fase da vida que se caracteriza por seu jeito específico de falar, se expressar, de se vestir e de agir. Tempo de projetar, sonhar e se arriscar. Os jovens são vistos, de forma geral, como aqueles que querem e podem transformar o mundo. Neles, constatamos grandes ideais, a força física e o tempo para colocar em prática todos os seus anseios interiores.

Eles vivem com a leveza e a liberdade pois sabem que para a sociedade, têm o direito de errar, por serem novos e também em formação. Assim, arriscam-se com maior facilidade e tranquilidade para tão somente depois de vivida, avaliar a experiência. No que tange a formação, a vivência de experiências e a avaliação, são direcionados a um itinerário que deve ser percorrido por meio da educação. Apenas a educação permite formar para a sensibilidade social e política e para o despertar das potencialidades de cada pessoa, podendo assim, no momento oportuno, fazer escolhas significativas para a vida.
A precariedade do sistema educativo sinaliza, para nós, um olhar mais atento para as “bandeiras” levantadas pelos jovens na atualidade, as causas e motivações pelas quais estão doando suas vidas. Um processo educativo falho resulta em uma sociedade sem sonhos transformados em projetos, e por conseguinte, sem realizações pessoais.
Já compartilhando dessa visão, nos anos 1800, Dom Bosco exortava os seus salesianos:
“Quereis fazer uma coisa boa? Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa santa? Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa santíssima? Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa divina? Educai a juventude” (EDEBE,2012).

A preferência, urgência e escolha de Dom Bosco em educar a juventude se dá pelo fato de enxergá-los como um pequeno grão de mostarda que, ao ser plantado e cultivado, produz grandes frutos. Ele acreditava na força da semente, ou seja, acreditava no potencial de cada jovem, para se tornarem bons cristãos e honestos cidadãos e assim transformar e construir um novo mundo com as próprias mãos: a Civilização do Amor.

Por meio da educação ocorre a transmissão de valores, ideias, conhecimentos e percepções de uma determinada sociedade. Não obstante, podemos afirmar que uma vida que convive com a ausência da educação é sem arte, sem conhecimento, sem ordem, sem religião e condenada a viver sem o entusiasmo de transformar o mundo.
Torna-se urgente educar para a cidadania por meio da preocupação realmente autêntica de mudanças na estrutura social, em seu sentido cívico e político, para uma cultura do encontro, discernindo os sinais dos tempos. Educar, hoje, significa ensinar a se auto educar sem se deter ou permitir paralisar num ambiente cultural fluído e numa sociedade em constante evolução.
A educação deve servir à formação, isto é, à conformação da vida, portanto deve ser “ um lugar de encontro e dos empenhos comuns em que aprendemos a ser sociedade, e, que a sociedade aprenda a ser sociedade solidária. Temos de aprender novas formas de construir a cidade dos homens” (PAPA FRANCISCO, 2012), por isso não pode consistir apenas em palavras, mas, deve tocar toda a existência.

Partindo da premissa de seu grande desejo de buscar o bem espiritual dos jovens e sua salvação, foi que Dom Bosco desenvolveu o Sistema Preventivo, sem intenções teóricas mas, sim, para responder às necessidades dos jovens de sua época. É esse o princípio inspirador da caridade pastoral que tem como base teológica Cristo, o Bom Pastor, que leva a pastorear os jovens, ouvir e cuidar de suas necessidades, acompanhá-los e proporcionar a cada um deles uma formação integral fundamentada em três pilares: Razão, Religião e Amorevolezza.
Sendo assim, o Sistema Preventivo de Dom Bosco apresenta características próprias, pois tem por base o “jeito de Dom Bosco”: ensinar e evangelizar. Para ele, educar é prevenir o mal por isso artisticamente potencializa o bem, fazendo emergir a força libertadora do amor educativo, exprime diferentes formas de racionalidade baseando-se sempre na fé e na bondade que está dentro de cada ser humano.

Somente quem faz a experiência de afeto e familiaridade, e, tem com quem e onde partilhar alegrias, dificuldades e dores, consegue ter um olhar de esperança sobre o futuro. A experiência de ser amado é fonte primeira para tornar a pessoa capaz de amar sem interesses. Por isso, Dom Bosco manifestava seu desejo de que “os jovens não só devem ser amados, mas devem saber que são amados” (DOM BOSCO, 2012). Pois, somente vivendo, com gratuidade, seus afetos, conseguem sentir-se livres para assumir quem realmente são: aceitando-se a si mesmos, acolhendo e amando as manifestações da vida, realizando a arte de viver numa abertura, cada vez maior, aos outros e na busca de sentido para a própria vida pautada na experiência fundante e transformadora com o Transcendente.

Para Madre Mazzarello, na sua experiência concreta de relacionamento com as jovens, educar era dar condições para que nelas amadurecessem decisões livres e responsáveis. A intencionalidade pedagógica, em Madre Mazzarello, pode ser percebida por meio do cuidado para com as meninas. O cuidado, característica tipicamente feminina, exprime sua personalidade de educadora sábia e a forma como personalizou o Sistema de Dom Bosco para sua realidade. Cuidar é acolher a vida sem reservas, sem a dimensão de posse pessoal, simplesmente pela alegria de ver o outro crescer. “Estou pronta a fazer tudo pelo bem de vocês” (C10), escreve em uma de suas cartas. É uma autoridade educativa que se torna, por cargo e por missão, fonte vital de crescimento para outros.

Tanto em Dom Bosco como em Madre Mazzarello, mais do que de método educativo, parece mais adequado falar de estilo. De fato, compreende um conjunto de atitudes, de escolhas, de atuações intencionais e oportunas, das quais emergem, nítida e claramente suas próprias personalidades como educadores. Como educadores, não se descuidavam nada do que fazia parte de uma harmoniosa formação humana. O testemunho e a vivência dos valores evangélicos fazem com que o Sistema Preventivo se desenvolva como ação educativa pastoral que educa evangelizando e evangeliza educando.

Diante da busca pelo respeito das diversidades, melhor qualidade de vida, acesso à educação, à cultura e à comunicação, à reconfiguração e valorização do papel da mulher na sociedade, valorização do trabalho e do tempo livre, o novo interesse pelo fato religioso, a experiência de vida comunitária, a revalorização da tolerância e do pluralismo, a redescoberta e a reconfiguração familiar, o diálogo entre gerações, a atenção aos diversamente hábeis e à aspiração universal à paz e a concórdia, percebemos as sedes de nossa sociedade. (BERGOBLIO,2011) E hoje, qual é a nossa resposta à partir da leitura conjuntural da sociedade que nos permite perceber as necessidades e anseios dos jovens?
Nossa identidade carismática nos leva a responder tais anseios e prospectivas, percebendo que a defesa dos direitos humanos surge como exigência e sinal de libertação. A valorização e vivência dos valores evangélicos, vividos por Jesus de Nazaré, sobretudo a justiça e a paz, nos trazem a urgência de se educar para o princípio da unidade, para a corresponsabilidade, a liberdade e o respeito a todos indistintamente.

Como a globalização é inevitável devemos “globalizar” os direitos humanos, a solidariedade, a justiça e paz como nos exorta Papa João Paulo II no documento Novo Milenium. Compreender, discernir e transmitir esses valores é uma tarefa nossa, só assim estaremos reatualizando o “da mihi animas cetera tolle” e o “a ti as confio” a nós deixados como herança e vividos por nossos fundadores. Só assim, estaremos respondendo ao grito do nosso tempo: formar pessoas capazes de, com competência, se colocar a serviço do bem comum.
No processo educativo, além de uma formação técnica, regular conforme os currículos comuns de educação legislados em cada país, o jovem trilha um itinerário personalizado de maturação vocacional, tornando-se capaz de fazer escolhas significativas para sua vida. Vivendo esse processo, com entusiasmo e idealismo característico da juventude, poderá livremente oferecer uma nova esperança para o mundo. (BENTO XVI, 2012)

Como Instituto FMA, que evangeliza educando e educa evangelizando, realizamos nossas ações educativas para o desenvolvimento como expressão concreta da cooperação missionária na Igreja e a manifesta por meio do carisma salesiano por meio de uma visão antopológica que está na base do nosso modo de entender a cooperação para o desenvolvimento (FMA, 2007).
Como portadoras do carisma salesiano, nossa identidade apostólica consiste em educar e evangelizar por meio da promoção integral do jovem que o leva a experienciar o fundamento da liberdade e dignidade por meio do anúncio explícito da Boa Nova de Jesus Cristo que o faz perceber que a seguridade dos direitos não deve ser apenas para ele, mas, sim, passa a se enxergar como um meio para garantir tais direitos a outras pessoas. Temos aqui uma educação para a cidadania evangélica que se dá por meio do empenho pelo bem de todos e de cada um, ou seja, a vivência da justiça e da paz. Papa Francisco, no capítulo IV da Evangelii Gaudium, apresenta a justiça e a paz como aspectos sociais da evangelização. Ao confrontarmos a vida com o Evangelho, percebemos que ele não apenas propõe uma relação pessoal com Deus, mas, também, uma vida social impregnada de fraternidade e de dignidade para todos, pois, uma fé autêntica, “nunca é cômoda ou individualista, mas sim traz em si um grande desejo de mudar o mundo, transmitir valores e deixar o mundo um pouco melhor depois que passamos por ele”(EG,2014).
Nesse contexto, o Sistema Preventivo, como método educativo e espiritualidade, embasa nossas propostas e caminhos a serem trilhados para a educação e evangelização dos nossos jovens, pois, Dom Bosco afirmava que “o apostolado dos jovens é um dos meios mais eficazes para transformar o mundo dos adultos” (DOM BOSCO,2012)

A urgência de trabalharmos e despertarmos nossos jovens para uma justiça social que diz respeito aos aspectos sociais, políticos e econômicos, as dimensões estruturais dos problemas e também soluções, para que membros atuantes da sociedade possam conseguir aquilo que tem direito, ou seja, transformar a sociedade para o bem comum tendo por base os valores evangélicos.
Ensinar os caminhos de uma cidadania plena é ensinar a ter fome e sede de justiça para poder ser saciado e assim ser bem aventurado, como nos exorta Jesus, no Sermão das Bem-Aventuranças (Mt5,6). Serão saciados apenas, porque têm fome e sede de relações justas com Deus, consigo mesmo, com os outros e com a criação inteira (BENTO, 2001).

Tornar-se um cidadão justo é fazer um caminho de solidariedade, remando contra a maré dos valores que a sociedade impõem. É levantar a bandeira e viver a justa divisão dos bens e saberes, a remuneração equitativa dos trabalhadores, no empenho por uma ordem mais justa ao acesso e posse de moradia e aos serviços fundamentais ao todo ser humano. É perceber que o desenvolvimento econômico deve ser global e solidário e, para que isso aconteça, precisa ter ações concretas na vida de cada um, perpassando pelo campo das escolhas pessoais.
Uma educação que conscientize a forma e as razões do consumo, educa para a justiça, pois contribui para canalizar as sedes não para as coisas materiais, mas, para a essencialidade do existir, ajuda na diminuição da quantidade de lixo do planeta, contribuindo para melhor qualidade de vida para as próximas gerações. Tantos outros benefícios poderiam ser elencados. Por isso, nossas ações e propostas educativas devem estar voltadas para a opção preferencial pelos pobres, pois são os mais fragilizados que precisam ser fortalecidos e ajudados a terem voz e vez.
Quando propomos aos jovens experiências de Voluntariado e da Semana Missionária, por exemplo, estamos possibilitando a vivência de experiências que pedem empenho, com paixão e perseverança, no desenvolvimento integral do homem e pela preservação da criação e assim, fazer uma experiência verdadeira, com Jesus Cristo, de modo assumir a Sua causa como causa própria: a busca e expansão do Reino de Deus (FMA, 2006).

É por isso, que a educação para a paz precisa começar a ensinar que em Deus é possível paz, quer na vida pessoal, entre amigos e até nações com crenças diferentes. Podem assim fazer a experiência de paz quando se encontram com pessoas reconciliadas, quando não há vingança e na ausência de violência. Eis o desafio para todos os educadores, transmitir o evangelho da paz em palavras e ações para assim criar sempre novos inícios para uma paz autêntica.
Em nossa missão, como educadoras, devemos comunicar aos jovens o apreço pelo valor positivo da vida e suscitar em cada um deles o desejo de consumir suas vidas, “como velas que queimam no altar” (1989), a serviço do bem.
Olhá-los, com esperança e confiança, e buscar encorajá-los para a procura da verdade, a defenderem o bem comum e ajudá-los a descortinarem seus olhares afim de perceber, sentir e experienciar o amor incondicional de Deus por cada um. O que exige uma nova forma de ir ao encontro do outro, pois, mesmo com a existência das diferenças, cada um deve ser uma presença de paz. Onde está um cristão, aí deve estar a paz. A paz para todos nasce da justiça de cada um e ninguém pode se esquivar de lutar pelo bem comum. “Felizes são os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus” (Mt5,9) .
A educação de valores é uma construção, um itinerário que pode ser trilhado, desde a educação infantil até o final da vida, importante é que a cada etapa esses valores possam ser experienciados e confrontados com o cotidiano. Educar para o conhecimento de si para assim poder ser dom para os outros, como Jesus de Nazaré.
Temas como violência, guerras, diminuição da maioridade penal, genocídios, comercialização de armas e drogas, tráfico humano, armas de destruição em massa, terrorismo, entre outros temas, não podem estar de fora de nossos programas educativos. Mas, a discussão das temáticas devem perpassar pelo modo como a Igreja entende esses temas e quais as razões para esse entendimento. Aqui é imprescindível o conhecimento dos educadores sobre a Doutrina Social da Igreja, afim de contribuir para a formação da consciência dos nossos jovens à partir de valores profundamente evangélicos.
A urgência educativa para a compaixão, a solidariedade, o perdão, a colaboração e a fraternidade permite despertar e formar consciências e corações desapegados do egoísmo e voltados para o outro, não se anulando, mas dando um sentido ao seu processo de maturação que é o projeto de felicidade que Deus sonhou para cada um. Indubitavelmente, as palavras de Dom Bosco na Carta de Roma (2001), continua ecoando em nós e para nós ainda hoje: “ que os jovens ao estarem em nossas obras alcançarão sempre uma melhora, apresentarão mudança de índole e caráter e tornar-se-ão amparo para sua família e honra para o lugar onde moram”, pois foram despertadas a sensibilidade e abertura ao outro juntamente com o desejo e a certeza de que podem e devem trabalhar na construção de uma nova sociedade: a civilização do amor.

Tornar os jovens bons e salvos eternamente, livres do perigo da condenação eterna, utilizando a educação como um meio para fazer o bem na sociedade. O Evangelho é dom de Deus e deve ser partilhado por meio do rosto salesiano na Igreja: O Sistema Preventivo. Sua força profética deve ser a nossa referência e estratégia pedagógica para reconstruirmos a sociedade, a partir dos jovens, e com eles descobrirmos novas formas de levar o evangelho por todo o mundo.

 

Por Celene Couto Rodrigues | noviça

Texto Revista Em Família nº51

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